Da periferia de Bauru à Estação Espacial Internacional (ISS). O caminho percorrido pelo primeiro astronauta brasileiro, Marcos César Pontes, virou livro e motiva milhares de pessoas em todo o Brasil. Ele esteve em Franca na última quarta-feira, 24. Por duas horas, Pontes falou a 400 estudantes do Sesi, Senai e empresários sobre sua carreira, infância, família e sonhos.
O garoto Pontes nasceu em uma família humilde na periferia de Bauru em 1963. Ainda menino, passava horas olhando para o céu, acalentando o sonho de ser piloto. A paixão era tão grande que praticamente todos os dias ele ia ao aeroclube da cidade para ver a Esquadrilha da Fumaça e visitar a Academia da Força Aérea.
Filho de Virgílio de Pontes, funcionário do IBC (Instituto Brasileiro do Café), e de Zuleika Navarro Pontes, funcionária da Rede Ferroviária Federal, o jovem humilde decidiu investir em seu sonho e, aos 14 anos, começou a trabalhar para ganhar dinheiro e sustentar seus estudos.
Matriculou-se, então, no curso de formação profissional da Rede Ferroviária Federal & Senai, onde iniciou o curso de eletricista. Seu primeiro emprego foi de aprendiz de eletricista na IBC. Mesmo cansado, aproveitava as pausas de quando não estava em meio à graxa dos motores dos trens, para estudar. Tudo isso para ingressar na Academia da Força Aérea. E em 1981, aos 18 anos, conseguiu.
Após anos de estudo e sacrifício, tirou seu brevê de piloto. A partir de então, o garoto de Bauru foi designado para o Curso Operacional de Piloto de Caça, em Natal-RN. Em 1990 começou a cursar engenharia aeronáutica no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). E logo surgiu a oportunidade de sair do país. Em 96, foi indicado para o mestrado na Naval Postgraduate School, escola norte-americana situada em Monterey, na Califórnia. Lá pilotou os aviões mais potentes da época, realizando testes.
Em 98 Pontes viu sua vida mudar drasticamente. Ele inscreveu-se para o concurso público que selecionaria um astronauta brasileiro.
Após oito anos de espera e muitos problemas burocráticos, o Brasil fechou um acordo com a Roscomos, agência espacial russa, e o astronauta brasileiro embarcou na Missão Centenário.
Em 30 de março de 2006, Marcos Pontes, acompanhado do russo Pavel Vinogradov e do norte-americano Jeffrey Williams, partiu da base de Baikonur, no Cazaquistão, a bordo da nave russa Soyuz TMA-8. Durante um período de oito dias, Marcos Pontes ganhou o espaço e flutuou à gravidade zero, realizando o sonho que muitos acalentam.
Hoje, o astronauta conta sua história em palestras de motivação. Também é escritor. Lançou os exemplares É possível! Como transformar seus sonhos em realidade - livro que começou a escrever durante sua viagem espacial - e o Missão Cumprida - A história da 1ª Missão Espacial. A mensagem é clara: sonhe alto, acredite.
Comércio da Franca - De aprendiz de eletricista a astronauta, a escritor e a palestrante. Como tantas transformações aconteceram em sua vida?
Marcos Pontes - Educação. Eu sempre ressalto a importância dela em todo esse processo. Sou filho de um servente do IBC (Instituto Brasileiro do Café). Era garoto da periferia de Bauru, mas sempre tive o sonho de voar, de ser piloto. O Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) foi muito importante para mim no começo, pois me forneceu o primeiro emprego, de eletricista aprendiz. Depois fui piloto de provas e engenheiro da Força Aérea até 98, quando abriu o concurso público da Agência Espacial Brasileira. Me inscrevi e fui selecionado. Desde então, cumpro essa função de astronauta, que é uma carreira civil. Estou lá aguardando o segundo voo. Estou à disposição do Governo, esperando essa próxima escalação. Enquanto isso, tenho outras atividades, sou consultor e palestrante. Me viro porque não recebo nada da Agência Espacial. Tenho que ganhar por fora.
Comércio - Você realizou o sonho que muitas crianças têm: ser astronauta. Você se sente capaz de motivá-las?
Pontes - Eu procuro sempre ressaltar que existe uma carreira por trás disso. Na parte de motivação, eu tenho a preparação formal, porque eu também sou coaching. Fiz cursos na área de desenvolvimento de talentos, desenvolvimento pessoal, para ajudar esses jovens. A carreira (de astronauta) é inspiradora por natureza. Toda criança um dia já olhou para as estrelas e pensou em ser piloto, astronauta, ver o que tem depois da curva do planeta.
Comércio - Como foi realizar o sonho de voar?
Pontes - O voo é uma das melhores sensações que um ser humano pode ter. A sensação de liberdade, de ter asas. É uma sensação muito boa, é algo que fica marcado.
Comércio - Quando surgiu a oportunidade de ser astronauta, você não esperava ser o escolhido. Porque essa insegurança?
Pontes - O medo faz parte do ser humano. Sempre que você entra em uma competição existe aquele medo de rejeição, do fracasso. Naturalmente, qualquer um começa a achar desculpas dentro de si para o caso de não ser escolhido. Lógico que ao longo da vida, quando você começa a executar um projeto e a notar que você vai obtendo bons resultados, você vai adquirindo autoconfiança, por isso é importante você comemorar cada um desses resultados. Lembro que pensei que a competição era muito grande. Por que iriam me escolher?
Comércio - Apesar da notícia ter sido boa, você disse que foi difícil largar a vida militar. Por que?
Pontes - Foi um susto grande, porque eu não sabia que teria que largar a carreira militar na época. Quem me falou isso foi o chefe de seleção, quando foi anunciar minha escolha. Ele disse que se eu aceitasse teria que fazer vários sacrifícios. Ele perguntou se eu já tinha sonhado em ter uma estrela de brigadeiro, quando ele falou isso eu achei que ia me promover. Na hora eu sonhei até em ser Ministro da Aeronáutica, mas ele disse: “talvez você nunca seja”. Ser astronauta é uma função civil e eu teria que deixar minhas funções militares. Deu aquele frio na barriga, com certeza. Eu estava acostumado. Era a vida que eu construí. De repente, vêm e me tiram essa base. É uma sensação meio estranha.
Comércio - Muitos reclamam de ter que estudar demais. Sua vida foi baseada nos estudos. Valeu a pena?
Pontes - Indico. Não se fica louco, não (risos). Estudo até hoje, o tempo todo. Acaba virando um hábito, uma necessidade. Acho que é igual a quem faz muito exercício, que tem que ter aquela atividade o tempo todo. Sinto essa necessidade de estar aprendendo. Meu pai morou em sítio. Não teve chance de estudar formalmente, mas ele lia bastante e me falava: “a arrogância usa exatamente o mesmo espaço do conhecimento na sua cabeça”. No momento que você achar que sabe muito é sinal de que você está deixando de saber das coisas. A educação cria uma base sólida para o crescimento profissional e pessoal de qualquer pessoa.
Comércio - Ao mesmo tempo em que se preparava para ser astronauta, havia um imbróglio entre o Brasil e a Nasa. Como foi sua participação para ajudar na solução?
Pontes - Foi um rolo miserável. Até 2000, eu estava enfurnado, fazendo cursos, e não sabia o que estava acontecendo. O Brasil tinha um acordo governamental com os Estados Unidos e tinha que produzir peças. Em troca, a estação espacial seria usada pelo Brasil para desenvolvimento de remédios e experimentos. Além disso, podia ter intercâmbio de pesquisadores. A Agência Espacial ia pagar R$ 120 milhões para a Embraer produzir e entregar essas peças para o consórcio (Brasil e Nasa). Isso era muito bonito no papel, mas na hora de construir essas peças, começou o problema burocrático.
A Agência Espacial contratou a Boing para fazer o desenho preliminar, o que para mim não fazia sentido. Se você quer desenvolver a indústria brasileira não pode contratar uma empresa americana para fazer isso. Só com isso foram gastos milhões de reais.
Depois do desenho pronto, a Embraer iria produzir as peças, mas o serviço começou a atrasar porque o preço que a Embraer cobrava da Agência pela produção era muito acima do valor que o Governo podia pagar.
Ficou aquele rolo aqui e a Nasa esperando as peças. Em 2002 a Agência Espacial falou que não iria mais fazer as peças. Tive que vir mais para o Brasil, mesmo contra a vontade da Agência Espacial, e comecei a empurrar a situação para ver se conseguia construir alguma peça.
Em 2003, o Ministério de Ciências e Tecnologia cortou o orçamento para praticamente nada. Em 2004, pedi arrego para a Fiesp (Federação das Industrias do Estado de São Paulo), que fez os protótipos através do Senai. Mas, com o cronograma praticamente estourado, a Nasa resolveu excluir o Brasil do consórcio.
Um ano depois, com a Agência Espacial sob nova gestão, o Governo resolveu fechar uma nova parceria, desta vez com a Rússia. Marcaram a missão (o voo), mas sem peças, talvez para cumprir tabela e justificar o que tinha sido feito até aquele momento.
Comércio - Como foram seus dias no espaço?
Pontes - A vida é corrida. São dois dias até chegar a estação espacial. E tem a adaptação, o desconforto. Quando você chega, tem um cronograma apertadinho. Cada um de nós tinha de fazer uma série de coisas durante o dia. Brinco que sou mecânico de espaçonave. Minha função é montar, desmontar, consertar e reconfigurar sistemas e fazer experimentos. Tinha oito experimentos do Brasil e mais 82 de outros países. Você tem de fazer dentro do cronograma. E quando você termina um pouco antes, o controle já te manda outra tarefa para fazer naquele espaço de tempo. São 18 horas por dia trabalhando, comendo e cuidando de você. As outras seis horas são para descansar. Nesse intervalo para descanso foi que eu comecei a escrever meus livros. Comecei a escrever o É possível! no espaço porque eu queria deixar uma mensagem aos meus filhos. Tirei duas mil fotos durante essas horas e também desenhava.
Comércio - Mesmo com tanta dedicação ao trabalho, você tem um laço muito forte com a família.
Pontes - Família é essencial sempre, em qualquer aspecto. Se você não estiver bem com a família, nada funciona direito. Você pode ser o melhor profissional do mundo, mas a família tem que estar estruturada para funcionar. Sozinho as coisas não têm significado. Minha família me apoiou muito, tanto meus filhos, quanto minha esposa, meus irmãos e meus pais.
Fonte: Comércio da Franca



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